terça-feira, 22 de outubro de 2013

Bocas foleiras

O Plantel

Como já foi referido, o plantel do G.F.C. era composto por jovens residentes na zona da Carvalhosa, ou arredores, que frequentavam, uns o Café Guanabara e outros o Café Diu (ambos ainda existentes naquela zona), mas atendendo à constante falta de comparência de alguns atletas, o Clube deparava-se muitas vezes com dificuldades em formar um "onze" completo.
Daí, possuir um "departamento" de contratações altamente sofisticado e sempre aberto a qualquer sugestão, fazendo lembrar os antigos carros eléctricos onde "cabia sempre mais um".

Com efeito, qualquer "atleta" que se oferecesse para representar as cores do G.F.C., era recebido de braços abertos e inscrito na A.F.P., ainda que nunca na vida tivesse dado um pontapé na bola, bastando-lhe apenas apresentar como credenciais o facto de já ter assistido a alguns jogos de futebol.
A alguns deles se lhe se perguntasse se rematavam bem com os dois pés, eram bem capazes de responder: "não, só com um de cada vez".
Era-lhes fornecido o calendário de jogos e diziam-lhes: "vá telefonando aos Sábados para o Café para saber se, nesse dia, tem "vaga" na equipe.

Felizmente o G.F.C. tinha também os seus "olheiros" e algumas "contratações" acabaram por trazer alguma mais valia ao Clube porque: "afinal o gajo é jeitoso".

E, assim, o G.F.C. foi prosseguindo a sua curta carreira com um grupo de "bacanos" que apenas queriam era "dar uns chutos na bola", mas algumas vezes chegou a apresentar "onzes" bem constituídos efectuando grandes exibições, como foi o caso de um jogo no campo do F.C.P. na Rua da Constituição, defrontando "Os Merengues" (equipa bem cotada na época) em jogo que, salvo erro, sofreu várias alterações no marcador tendo terminado com um empate a três golos.

Também quando o adversário era o grande rival da Torrinha - Ultramarino F.C. - o onze apresentado pelo G.F.C. era quase sempre constituído pelos melhores jogadores, resultando em autênticos derbys locais bem "rasgadinhos".

O equipamento


Naquele tempo não existia a quantidade de marcas de equipamentos desportivos que existe hoje. Existia uma ou duas talvez, mas estes clubes amadores não possuíam receitas suficientes para os adquirir e a marca mais usada era a famosa "OMB" - O Mais Baratinho.

O equipamento era de acordo com as cores do emblema, sendo todo preto com excepção da camisola cujo colarinho e uma barra nas mangas eram amarelas, conforme se apresenta na foto ao lado.


As chuteiras não tinham pitões, mas sim umas travessas de madeira pregadas à sola, cujos pregos, por vezes, furavam aquela e atingiam o pé do jogador causando-lhe grande desconforto e dor.
Não era raro ver os jogadores a coxear por esse facto e houve ocasiões em que a quantidade deles era tal que mais parecia estarmos a assistir a um jogo do "Campeonato Distrital de Coxos".

Sendo o G.F.C. um clube de fracos recursos que vivia apenas da cotização dos respectivos associados, que eram em número muito reduzido, a sua gestão tinha de ser feita com muita "engenharia financeira" e a aquisição de equipamentos tinha de ser reduzida ao mínimo indispensável.

Como a "rotatividade" e a "contratação" de jogadores eram constantes, por vezes era complicado encontrar no stock do clube chuteiras adequadas ao tamanho dos pés de todos os jogadores presentes a jogo.

Assim, era frequente a barafunda no balneário com a corrida dos jogadores ao saco das chuteiras na tentativa de encontrarem o par ideal para os seus pés.

Todas estas dificuldades afectavam profundamente o estado de concentração dos atletas, comprometendo significamente o seu desempenho no terreno do jogo.

Só o espírito de sacrifício, o pondenor, o amor à camisola e a "grande" competência de tão "garbosos" atletas, fizeram com que a carreira do G.F.C. tivesse tal "êxito" que era reconhecido em muito lado, nomeadamente ali pelas ruas mais próximas.




A bola era em "gomos" de couro com câmara de ar e, quando nova, tinha um aspecto parecido com a bola da foto à esquerda, mas de tantos maus tratos que sofria, em pouco tempo ficava em estado deplorável. O G.F.C. só possuía uma que furava muitas vezes e passava a vida no sapateiro.



As Faltas de Comparência

A falta de comparência de uma equipa a um jogo de futebol do Campeonato Distrital de Amadores da Associação de Futebol do Porto, acarretava graves consequências para o Clube faltoso, não só económicas, mas também, segundo julgo, de ordem disciplinar.

Como já foi referido, o G.F.C. deparava-se frequentemente com dificuldades para apresentar um "onze" completo. No entanto, havia um número mínimo de jogadores (salvo erro, oito) com que uma equipa se poderia apresentar para disputar um jogo. Por outro lado, se no decorrer do jogo esse número fosse reduzido a seis (salvo erro), quer por lesões, quer por expulsões, o jogo era imediatamente dado como terminado.

Num determinado jogo o G.F.C. apresentou-se com apenas nove jogadores, alguns dos quais da "equipa D".
Não me recordo já qual era o adversário, mas antevia-se, obviamente, que o Guanabara iria levar uma "ganda abada" de golos.
A estratégia foi então a de entrar em jogo e aguentar até "eles" começarem a entrar. Depois teriam de sair pelo menos três jogadores lesionados.
E assim foi: começaram a entrar golos de todas as maneiras e feitios e, cá fora, os dirigentes e adeptos do Guanabara presentes davam constantes sinais para que os jogadores simulassem rapidamente lesões e saíssem de campo até restarem apenas seis e o jogo fosse dado como terminado, evitando-se, assim, um resultado escandaloso que mancharia para sempre o bom nome do G.F.C..

Se no Futebol profissional existiam (e ainda existem) autênticos actores na arte de simular penalties, faltas, lesões, etc., já no Futebol amador os actores exageravam na arte da simulação e, naquele jogo, alguns jogadores do G.F.C. efectaram tamanhas simulações que aquelas cenas bem se poderiam incluir numa qualquer série de "apanhados" televisivos.

Com efeito, os jogadores começaram a cair que nem tordos e com tamanhos esgares que muitos adeptos da equipe adversária chegaram até a sugerir que se chamasse o 115 (naquele tempo o 115 era o que é hoje o 112).
A lesão mais caricata foi a do Armando Marcelo (julgo eu) que, sem ninguém lhe tocar, se atirou para o chão agarrando-se a uma das pernas e fazendo tal alarido que fazia supor ter sofrido uma fractura exposta. Foi retirado do campo ao "pé coxinho" e amparado por dois colegas.
Era inverno e ameaçava chuva. Mal o Marcelo saiu de campo, caiu semelhante bátega de água que obrigou os espectadores a procurarem o abrigo mais próximo, deixando abandonado à sua sorte o Marcelo.
Foi então que se deu um autêntico milagre e o Marcelo, fugindo da chuva, desata a correr ligeirinho em direcção ao balneário.

Não existindo, então, numa das equipas (G.F.C.) o número mínimo de jogadores necessártio para prosseguir o jogo, o mesmo foi dado por terminado pelo árbitro, com o resultado final de 6 ou 7 a zero.

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